OBS.4s: observações quadradas para um mundo redondo sobre um Deus triúno!

18/04/2011

Aquiles, Dr.House e a Glória de Deus


André Filipe, Aefe!
também em: www.imagemesemelhanca.com


Aquiles é um herói da mitologia grega. Quando Aquiles nasceu, é profetizado à sua mãe que seu filho iria morrer na guerra de Tróia, mas que seu nome seria glorioso. Sua mãe, porém, para não perdê-lo precocemente, esconde-o entre as mulheres.
Quis o destino que ele fosse encontrado, e escalado para a guerra. Sua mãe, pedindo para que não fosse, revela a profecia, deixando Aquiles num difícil dilema que até hoje os seres humanos se deparam: ter uma vida monótona e sem glória, mas duradoura; ou uma vida de aventuras, gloriosa, mas curta e cheia de sofrimento.

House, personagem médico da série homônima da Universal Channel, em vários episódios é apresentado com o mesmo dilema: o personagem é triste, sozinho, castigado com dor na perna e usuários de drogas. Mas um médico fora do comum. Somos levados a crer durante a série que sua dor, solidão e drogas, fazem dele um médico genial, daí que o doutor busca a cada episódio arruinar sua vida pessoal tendo em foco a glória do seu próprio nome.

Não há maior motivação para um homem enfrentar a dor e o sofrimento que a glória pessoal, e modernamente homens e mulheres têm sacrificado a vida, em paz, tranquila e longa, para um mergulho no trabalho, nas drogas, numa vida desregrada ou de aventuras, e até, em último caso, inscrever-se para o próximo BBB.
É um paradoxo difícil: sacrificamos a vida para que o nosso nome (ou nossa glória) permaneça após a morte, ultrapassando o tempo e o espaço limitado a nós. Estar acima dos demais homens vale uma vida curta e de sofrimento.
A Palavra de Deus não nos convida para uma vida mansa e longa, como se estivéssemos num estado de espera. Mas também, por outro lado, não é uma opção essa busca ensandecida pela glória do próprio nome, como a busca dos moradores de Babel em Gn 11.4: “Vamos construir uma cidade (...) Assim nosso nome será famoso".
Mas a proposta de Deus a Abrão é tentadora, em Gn.12.1-2:
"Saia da sua terra, do meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei. Farei de você um grande povo, e o abençoarei. Tornarei famoso o seu nome, e você será uma bênção”.

Ou seja, saia desta sua vida confortável em que você é reconhecido como príncipe, saia da casa dos seus parentes em que há certezas e paz, obedeça-me sendo uma bênção para todos os povos, brilhando em sua face a Minha (de Deus, não sua) Glória, e Eu (Deus, não você) tornarei seu nome Glorioso. Viva para a Glória, não sua, não da empresa, não da nação, mas para a Glória de Deus!
O conhecimento da Glória de Deus se espalhará por toda a terra, isto é promessa e podemos esperar com confiança. Entre todos os povos, todas as línguas, a Glória do nome de Deus estará presente. Deus nos convida a participar (como servos inúteis) dos grandes atos de Deus na execução desta promessa, brilhando em nós a luz de Deus, numa aventura de vida buscando o Reino de Deus e sua justiça.
Não há preço alto demais para tamanha aventura!

09/04/2011

Os deuses da metrópole.

André Filipe, Aefe!
Também em: www.imagemesemelhanca.com
Não é novidade ouvir das pessoas que moram em cidades grandes que elas não possuem religião. Por outro lado, os moradores da galáxia urbana não possuem religião em seu discurso, mas a possuem de fato, e fiquei surpreso ao ler um texto de Luis Fernando Veríssimo, no Estadão de janeiro de 2008, em que descreve sua teologia pessoal:
“Invejo quem tem fé, mas não posso deixar de pensar que a minha religião particular, uma espécie de panteísmo urbano (devoção por pastéis de carne e boas livrarias e a crença de que há um deus, sim: o deus do Oboé, que além de ser um instrumento divino, é o que afina todos os outros) é a mais sensata”.
Neste  autoexame irônico, o cronista descreveu de maneira “sublime” a religiosidade do homem moderno, chamado panteísmo urbano.
Se usamos o mesmo dicionário, entendemos por panteísmo a ideia de que deus, ou os deuses, identificam-se com o mundo sem distinguir-se dele, ou ainda, deus é “um ser em linha de continuidade com o mundo*”.
Se no panteísmo das comunidades “da floresta” os deuses eram identificados com animais, plantas, elementos da natureza; na cidade, os deuses são “pastéis”, “boas livrarias” e “instrumentos musicais”. Esta religião mais “sensata” consegue superar a loucura da anterior.
Se Paulo estava abismado com o “coração  insensato” e obscurecido daqueles que adoravam animais e aves, em Romanos 1, que diria ao ver que os deuses caíram 2 níveis nos setores da economia, que fizemos de deus os elementos do setor terciário (produtos e serviços) da sociedade?
Isso acontece em consequência de terem alterado o próprio conceito de deus. Os deuses da cidade são os elementos do cotidiano que dão sentido presente a nossa vida por meio do prazer momentâneo, e por isso há, inclusive, uma hierarquia teológica pessoal, do pastel à boa livraria, abaixo da arte, ou da música, conforme o perfil do religioso.
Numa comunidade antiga, deuses eram aqueles que causavam medo, e com quem negociávamos para livrar-se dos seus infortúnios; no mundo urbanizado, em que os heróis humanos expurgaram seus medos (ou escondem-se deles), sua vida, vazia de qualquer sentido, busca encontrá-lo no cotidiano prazeroso, em seus templos (shoppings, hipermercados, TV por assinatura), com seus ritos (vertir-se bem, comer pipoca, todas às sextas) e com suas oferendas e sacrifícios (trabalhar duro, cartão de crédito, dívidas). Tudo isso porque a única esperança que resta é esta vida, presente, real, palpável e, sobretudo, sofrível. Deste modo, parece-nos sensato mesmo, tal como chegou à mesma conclusão o próprio Salomão, ao observar a vida “debaixo do sol” como total enfado e inutilidade, e que basta que nos deliciemos na vida, pois nada mais nos espera além dela.
Paulo, no entanto, milhares de anos e de páginas depois, com o Mistério revelado através de Jesus Cristo, encontra a resposta à loucura: “Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens” - 1a Co.15.9.
Assim chegamos ao coração do problema: destituído o deus único, com sua verdade absoluta, os metropolitanos caem na mais pura desesperança, e se vêem entregues às suas “paixões desonrosas” ou, em sua maior sensatez, a prazeres cotidianos e (certamente) mais covardes, perpetuando um pouco mais seus dias de “cadáver adiado que procria*”.
Mas ainda é preciso perguntar: não estaríamos nós, ditos crentes, rivalizando com o nosso cristianismo dominical, vivendo este panteísmo urbano no dia-a-dia, tal qual o povo de Judá, de quem foi dito:
“Assim, estas nações temiam o Senhor, mas também suas imagens esculpidas; seus filhos e seus descendentes também fazem até o dia de hoje como fizeram seus pais”  - 2a Reis 17.41.
Ou, do contrário, podemos dizer diante de Deus que em cada ato do dia podemos nos regozijar em Cristo Jesus, e que cada decisão de nossa vida visa a sua Glória?
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*conforme é dito do pensamento de Scheiermacher, na Teologia Sistemática de Berkhof.
*como diria Fernando Pessoa.