OBS.4s: observações quadradas para um mundo redondo sobre um Deus triúno!

13/08/2012

Luzes brilhando na selva


André Filipe, Aefe!

Era o final da tarde e o barco recreio seguia seu rumo subindo o Rio Negro. Dezenas de passageiros já se balançavam nas redes, as luzes estavam apagadas e o som da única televisão sumia diante do barulho rotineiro do motor, e o barulho do motor sumia na rotina se confundindo com o silêncio.
O espetáculo nunca rotineiro do sol se pondo por trás das árvores, colorindo o rio, ia ficando no passado, assim como sumia a única paisagem de toda a viagem: o azul do rio, o verde da floresta e o azul do céu.
Nos 4 dias de viagem que fizemos subindo o Rio Negro, navegando mais de 800 quilômetros, fomos platéia desta única paisagem, deslumbrante, hipnótica e refrigério para o corpo: o rio refletindo o céu, a floresta refletindo a majestade amazônica e o céu, puro, como foi criado.
Enquanto contemplávamos essa paisagem, dentre os vários bons pensamentos, também pensávamos:
- É muita árvore! É árvore que não acaba mais!
Foram 4 dias, mais de 800 quilômetros de árvore. Mas agora estava escuro, a cortina tinha se fechado e o palco estava um breu. O frio noturno fluvial, o silêncio e o motor roncando num mesmo ritmo ninavam todos para dormir. Mas, não sei porquê, fiquei um pouco no costado, curtindo o vento e aquela escuridão fantasmagórica do rio.
De repente, parecia que as estrelas tinham caído na mata: um conjunto de pequenas luzes surgiam no meio daquela escuridão, onde antes estava o verde. Eram como chamas de velas, lá longe. Luzinhas iluminando de dentro da floresta. Eram fogueiras e luminárias no interior do mato, iluminando algum povoado vivendo ali.
Esperei um tempo mais e outro grupo de luzinhas, e mais outro. Se eu passasse a noite a contar quantos povoados surgiam, perderia a conta.
De dia estavam escondidos na mata. Não havia porto, não havia placas, não havia barcos, eles estavam no fundo da mata. De dia, aquelas pessoas que viviam na mata passavam por nós invisíveis, mas de noite se denunciavam na escuridão.
Grupos isolados, com poucos pessoas que se importam com elas; como crente, a pergunta que passava pela minha mente era “Como ouvirão (o evangelho), se não há quem pregue?” Como haveria, se eles mal são vistos? São invisíveis enquanto passamos.
Retornando a São Paulo, volto a me vislumbrar com os inúmeros arranha-céus e construções da cidade. Caminhando pela cidade, penso:
- É muito prédio! É prédio que não acaba mais!
Mas a noite vem, e a escuridão toma conta da cidade. As janelas, no entanto, resistem na escuridão, revelando vidas lá dentro. O que passa por sua mente?

28/06/2012

Estrada para a transformação

Conheça um pouco mais do processo de tradução da Bíblia e ajude a divulgar este vídeo! Quem sabe vc ou um amigo seu não são chamados para o trabalho?

11/05/2012

Procure uma cruz


A história de uma jovem que encontrou a razão para continuar. 


André Filipe, Aefe!
também em:  http://imagemesemelhanca.org/2012/05/11/procureumacruz/ 

Como ela foi parar ali? Pensava. Mariana foi buscar sua roupa na lavanderia onde seu silêncio fazia companhia ao barulho de todas aquelas máquinas revolvendo roupas, encharcando, torcendo, batendo, arrancando toda aquela sujeira com violência. Pegou a trouxa de roupa, pagou e caminhou pelas ruas de Seul naquela noite fria, iluminada e movimentada até entrar em sua apertada quitinete, silenciosa, escura e vazia. Destacou das outras roupas sua jaqueta preferida: estava branquinha, cheirosa e macia novamente, mas amassada. Ligou o ferro de passar na tomada, que rapidamente transferiu a fervura do ferro para a roupa, desintegrando os amassados, passando por cima das ranhuras: o peso fervente do ferro pressionado sobre a roupa traçava um caminho liso na jaqueta aquecedora e lisa. Por fim colocou-a junto daquela mala próxima da porta.
Mariana era uma jovem missionária brasileira há 3 anos na Coréia do Sul. Demorava para dormir, não por causa dos carros passando do lado de fora, em contraste com o silêncio da quitinete que sempre estava com a televisão desligada, já que ainda não conseguia se entreter com a programação local. Não era o barulho do lado de fora, nem o silêncio do lado de dentro do apartamento. Era aquela apertada angústia de solidão do lado de dentro de Mariana. Já fazia algum tempo que havia silenciado a última nota daquela emoção de estar em um campo missionário “servindo ao Senhor além das fronteiras”, aquela alegria exótica com a nova vida e a sensação de uma vida com propósito. Mariana estava cansada. Há 2 meses voltou de umas férias no Brasil e as lembranças a deixavam ainda mais solitária. Os finais de semana nas igrejas, quando expunha seu trabalho com uma energia que agora faltava ali. O carinho dos irmãos em Cristo que a alegravam lá, mas que não chegava cá. Estar na casa dos pais... Rever amigos da mocidade da igreja, saindo aos finais de semana: estavam formados, casados, com seus empregos. Os assuntos giravam em torno das programações de TV, piadas da internet, angústias da rotina diária de lá. Mas Mariana estava grávida de muitas historias para contar a eles, dos seus primeiros dois anos trabalhando com refugiados na Durihana, ministério do pastor Chun. Mas eram histórias contadas pela metade, interrompidas por outras distrações. Como ela tinha ido parar ali? Nestas férias no Brasil Mariana percebeu que a garota que tinha ido para a Coréia não retornara ao Brasil. Percebeu que tinha ido longe demais.
E dormia pensando nestas coisas.
Acordou com muito frio e uma preguiça tão intensa quanto a tristeza. Pegou a Bíblia pois não tinha ânimo para mais nada. Leu um Salmo aleatório e chorou convulsivamente, como muitas manhãs. Arrumou-se devagar e melancolicamente. Atendeu o celular: esperavam-na no carro lá fora. Levantou como um jogador exausto nos últimos minutos do jogo, pegou a mala e saiu. Entrou no carro e J. virou-se para, dizendo:
- Espero que tenha acordado animada. A viagem será muito longa e você encontrará pessoas destruídas!

Em Pequim.

Estavam indo a um dos escritórios da Durihana em Pequim. Junto com Mariana, ia K., um jovem de 24 anos sul coreano, formado em administração e um dos missionários do pastor Chun. Ele estava indo para ficar em Pequim e dar uma força lá. Porém o jovem não era nada falante. Passou a viagem inteira com um boné escondendo o rosto hipnotizado por um mangá interminável. Respondia monossilabicamente às tentativas de aproximação de Mariana.
Guiando os dois jovens iam o casal J. e R.. Há anos que o casal fazia este trabalho da Durihana: em Pequim, recebiam os refugiados da Coréia do Norte e traziam eles por uma rota clandestina, a Rota Asiática: longa e perigosa. Mariana ia fazer este trabalho pela primeira vez para, no futuro, assumir o lugar do casal.
O principal trabalho da Durihana era de ajuda aos refugiados da Coreia do Norte que fugiam do seu país pelo Rio Tumen: no Inverno, pelo gelo; ou no verão, com o rio raso. Chegavam clandestinamente à China e precisavam descer escondidos até a Coréia do Sul, onde encontravam refúgio. Estes foragidos chegavam destruídos. Na década de 90, a fome na Coréia do Norte atingiu picos intoleráveis e já dizimou 2,5 milhões de pessoas. Grande parte da população se alimenta de grama e raízes.
J. e R. tinham recebido a notícia de um heróico resgate pela equipe Durihana de 12 garotas norte-coreanas que viviam em regime de escravidão com o trabalho de pornografia pela internet, destino comum de refugiados que ficam na China, a mercê de enganadores. A missão era trazê-las para Seul.
Após muitas paradas e dias de viagem, os quatro chegaram ao escritório em Pequim e se acomodaram em seus quartos. Mariana estava suja, exausta e irritada. Acomodou sua mala e foi buscar forças em um banho quente. No banho, para não parecer tão desonesta, ela ainda tentou chamar a atenção de Deus para seu vazio existencial, mas ela se sentia como o carteiro paciente que insistia em entregar o pacote em uma casa vazia.
Quando saiu do banho, foi à sala, onde estavam J., R. e K., que milagrosamente estava sem o boné e de cabeça erguida. Pela primeira vez viu que possuía uma barba rala mal aparada. Todos estavam em torno de um sujeito que falava apaixonadamente de Cristo e de sua própria vida.
Mariana se sentou, tomou um pouco de Coca e bolachas e passou a ouví-lo.
- Eu e minha noiva fizemos uma tenebrosa travessia pelo Tumen que acabou com meus pés - e mostrou seus dedos roxos mortos - mas finalmente chegamos à China. Só que quando chegamos, as pessoas que disseram que nos ajudariam, na verdade, nos enganaram. Tinham tudo armado para nos entregar como escravos aqui. Pegaram minha noiva e a venderam como esposa de um velho fazendeiro chinês. Mas eu consegui fugir. Me escondi por três dias, sem comer nada, quando me lembrei de um conselho que dão a todos os que fogem da escravidão: - Procure uma cruz! Foi assim que encontrei a Igreja de Durihana, foi assim que eu conheci a Cruz de Cristo, e ela me salvou. Hoje, este meu pé aqui me lembra quem eu era antes de conhecer a Cristo, e quem eu sou hoje, um homem livre e feliz!
Mariana ouvia de cabeça baixa e sentiu que, afinal, havia alguém em casa para receber sua oração. Deus foi mostrando a ela o motivo dela estar ali. Descobriu, em seguida, que J. e R., eles próprios foram refugiados que haviam passado suas vidas em trabalho forçado em seu país, e hoje viviam uma vida de gratidão a Deus pela liberdade.
J. pegou o violão e começou a dedilhar “Rude cruz se erigiu, dela o dia fugiu como emblema de vergonha e dor/ Mas eu sei que na cruz, nesse dia Jesus, deu a vida por mim pecador!” e a canção foi surgindo espontaneamente dos corações de cada um ali na sala, do silêncio ao mais intenso louvor. J. cantava de olhos fechados como se estivesse diante do próprio Cristo na Cruz. Até K. retirou o boné, em respeito, e Mariana chegou a vê-lo enxugando rápido os olhos. Todos ali deviam sua vida à Cruz. Todos dependiam da Cruz. Não foi à toa que, ao cantarem juntos “Sim eu amo a mensagem da Cruz; Seu triunfo meu gozo será! Pois um dia, em lugar de uma cruz, a coroa Jesus me dará!” já não estavam mais naquela sala, na China, por um momento estavam diante do Trono da Graça, e o Espírito de Cristo os visitou amaciando os corações amassados, esquentando os espíritos frios. Naquele momento foi através de uma canção que Deus fez Mariana lembrar do porquê estava ali. Seu coração voltou a dar-lhe a convicção de que aquele era o lugar que ela deveria estar; não porque era heroína, não porque queria expor seu trabalho em seu país; Mariana estava ali por causa da Cruz de Cristo, para falar da Mensagem da Cruz de Cristo. A cruz que a libertou do pecado, a resgatou do inferno, a capacitou, e a chamou para o privilégio daquele serviço. A cruz de Cristo era o significado e o que lhe fazia perseverar ali. Seu coração agora estava cheio dos louvores de Deus.

Perto da madrugada, chegou a kombi com um missionário da  Durihana, as 12 meninas resgatadas, e mais uma, nitidamente assustada, magérrima, gelada e sozinha.
- Essa é nova, acabou de cruzar o Tumen - disse o missionário.
Mariana tomou a frente. Tirou de si a jaqueta branca preferida e envolveu a jovem garota nele, que devagar foi parando de tremer. Fez ela se sentar, deu-lhe comida e amavelmente perguntou-lhe:
- Diga-me, como veio para aqui?
Com os olhos baixos, em um inglês difícil, a jovem norte-coreana respondeu sem dúvidas:
- Eu encontrei a Cruz!


História baseada nesta reportagem da National Geographic: http://viajeaqui.abril.com.br/materias/china-coreia-do-norte

12/04/2012

Abril de 1521


André Filipe, Aefe!
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O eco da voz do juiz representante do Império Romano morcegava pelo salão do castelo da cidade de Worms, em que havia mais de 150 reis e delegados intentados a condenar o homem centro do círculo inquisidor. Com sua boina escura, Martinho Lutero estava feliz, e nada o intimidaria. Ele que há anos contrariava um monstruoso poderio religioso. Era abril de 1521.
- Estas são suas obras? – perguntou o juiz disposto a humilhá-lo.
O juiz consumia o monge, vigiado pelo Imperador Carlos V e pelo Papa Leão X. A intenção era fazer Lutero negar seu ideal cristão que desafiava a doutrina Romana.
Ao ouvir o acusador, Lutero sorria, pois naquele momento lembrava-se de sua vida. Lembrou-se de dias atrás quando Filipe Melanchton entrou em sua casa para alertá-lo sobre o julgamento.
- Todo o povo comenta que a Assembléia é para matá-lo… – alertou ele.
- Não podem matá-lo – retrucou Micônio – deram um salvo-conduto para ele.
Lucas Cranach, que saboreava um vinho quente na casa, lembrou:
- Também deram um salvo-conduto a João Huss antes de o queimarem vivo.
Lutero ria-se da apreensão dos amigos, acariciando as mãos de Catarina Von Bora, ex-freira com quem Lutero se casou.
Na Assembléia, mais argumentos contra o monge soavam como uma punhalada. Lutero voltou a recordar-se.
Lembrou-se da tempestade que o fizera prometer virar monge, e das impertinentes dúvidas e medos que o perseguiam. Lembrou-se ainda da extrema liberdade sentida quando seus olhos abriram-se ao ler Romanos. O apóstolo Paulo cochichou em seu ouvido naquele momento: “O justo viverá pela fé”.
Lembrou-se então da noite em que escreveu 95 contestações à Igreja e da repercussão não imaginada que elas tiveram. Lembrou-se por isso da festa do dia anterior em que chegara a Worms saldado por uma multidão tamanha de fiéis em Cristo dispostos a ouvi-lo, que teve de subir na torre da igreja para pregar, já que as igrejas protestantes não comportavam mais tanta gente.
- Viva Lutero! – saldavam as pessoas das janelas de suas casas – Que Deus o proteja!
Lutero lembrou-se da emoção sentida quando, de cima da torre da igreja, cantou o hino que escrevera a dois amigos mortos pela inquisição. Das primeiras palavras de “Castelo Forte”, toda a multidão o acompanhou até o fim do hino, num vozerio tão apaixonado e tão forte, que a Europa chorou de alegria e Deus fortificou Lutero de tal maneira que ele sentiria gosto de morrer pela verdade.
- Responda! – gritou o juiz – Estás disposto a abandonar as mentiras por ti pregadas?
Martinho levantou-se calmamente e passeou uma vez para frente, sorrindo.
O silêncio feroz calou uma multidão de homens romanos que estavam lá para maltratar Lutero com palavras, e calou, de um outro lado, as canções de apoio dos cem cavaleiros negros, fiéis luteranos, que o acompanhavam naquela assembléia. A vida curta do silêncio paragrafou a história cristã, quando Martinho respondeu:
- Uma vez que vossa majestade solicita uma resposta simples, devo dá-la, sem restrições e sem rodeios. A não ser que eu seja condenado pelo testemunho das Escrituras ou da simples razão, pois não creio no papa ou em concílios, uma vez que se sabe que eles erram e se contradizem com frequência, estou preso às Escrituras que citei e minha consciência é escrava da Palavra de Deus. Não posso nem quero revogar nada, pois não é seguro nem honesto agir contra a própria consciência. Aqui estou, não posso fazer diferente.
A resposta entalou a garganta suja dos opositores e encheu de orgulho o coração dos cavaleiros. Ao lado de Martinho, Deus estava presente na Assembléia, e o acompanhou quando saiu triunfante do castelo, orgulhoso de cumprir o papel que Deus havia lhe posto.
Ao passar pelos amigos, um respeito profundo tocou cada um dos luteranos, que espontaneamente retiraram suas espadas das bainhas e as expuseram ao alto, e o enlatar do metal, o brilho e a glória do momento, agradeceram ao monge sua fidelidade.
Partilharam de muita alegria os amigos de Lutero quando terminou a Assembléia. O texto da resposta de Lutero circulou já no outro dia em Worms.
Após a Assembléia, Lutero foi banido do Império Romano, seus direitos civis foram caçados, e o salvo-conduto não duraria muito tempo. Qualquer ajuda ou demonstração de afeto com o reformador era crime muito bem castigado.
No negro da noite em que retornava a Winttemberg, Lutero, junto de dois amigos, viajava clandestinamente por um bosque, abaixo dos brilhos de uma tempestade. Lutero orou a Deus, mas sentia-se sozinho. Ao terminar a oração, o estranho som de diversos cavalos se aproximando amedrontaram os amigos do reformador.
- São eles! – gritou um – vão nos matar.
Pareciam muitos. Em meio às árvores e à chuva, Lutero via em relances cavalos com seus cavaleiros, e ouviu o desembainhar de espadas, os gritos de terror, gritos de morte. Lutero achou-se sozinho, indefeso, seus amigos haviam fugido. Quatro cavalos o cercaram. A chuva caía-lhe no rosto e uma carroça veloz quase não parou em sua frente. Abriu-se uma porta e uma mão com uma espada saiu dela.
Lembrou-se por fim do hino que cantara com a multidão: “Se tudo se acabar/e a morte enfim chegar,/com Ele reinaremos.” E Martinho Lutero sentiu paz novamente.
A outra mão saiu da carroça oferecendo ajuda e só então Lutero percebeu por detrás do capuz o rosto pacífico do amigo Filipe, que o colocou para dentro às pressas, para salvá-lo das emboscadas dos guerreiros romanos. Dentro estavam Catarina, Filipe, Lucas, Micônio e outros velhos amigos, que o levaram ao Castelo de Wartburg onde se refugiou por dois anos.
Foi neste castelo em que comandou com muita fé o movimento protestante que ganhou o mundo e reformou a igreja, fazendo-a retornar às Escrituras.